Episódio 40 - «História triste de um compositor» (Vítor Pais) + «Breve história da laca» (Miguel Fragata e Inês Barahona»

História triste de um compositor

Quando o conheci era ele quem compunha o canto dos pássaros.
Andava pelo país fora com um pequeno piano de brincar debaixo do braço e compunha aquelas melodias muito simples que as aves cantam todo o dia umas para as outras. Pagavam-lhe em bagas e sementes e parece que vivia disso. Depois, quando lhe começou a crescer o musgo nos dedos, deixou de conseguir tocar piano.
A princípio ainda conseguia aparar o musgo e a coisa ia andando, mas aquilo começou a crescer tão rapidamente que não lhe deu qualquer hipótese. No fim parecia uma árvore, todo verde e musgoso, mas sempre coberto de pássaros que lhe continuavam a trazer sementes.
Da última vez que o vi, ainda conseguia assobiar e continuava a compor. Depois, enfim, lá se foi.
Olha, ouves aquele rouxinol a cantar? A música é dele.
 
Breve história da laca

Paris, 1950. Madame Huguette e Madame Lorraine saem do salão do cabeleireiro.
Madame Huguette traz uma banana perfeita, nem um cabelo solto. Banana, não a de comer… Cabelo repuxado atrás, enrolado sobre si próprio, preso com milhares de ganchos. O penteado terminado com o melhor amigo de qualquer cabeleireiro: laca. 

Madame Lorraine, avó de cabelos curtos, traz a cabeleira impecavelmente escovada. O “cabelo armado”. Armado de laca. 

O penteado preso no ar, imóvel perante a passagem de uma brisa, ou de uma rajada de vento. 

Se se fizesse o teste de ligar um aspirador junto àqueles dois penteados, nem um fio de cabelo se moveria.
 
Laca, o elemento essencial para deixar as pessoas livres, disponíveis para viver a sua vida.

Ou a sua morte. Porque a laca não pode ser dispensada para pentear um morto. Até a um falecido a laca dá um ar vivaço.

Graças à laca, foi inventada uma infinitude de penteados: bobs, topetes, coques, tranças, bananas... O segredo era o seu ingrediente mistério: o gás CFC, “Cabelo Firme e Colado - CFC”.

A invenção da laca foi a melhor coisa que aconteceu aos cabelos nos anos 50. É inegável.

Mas à medida que as senhoras usavam laca nos seus penteados, bobs, topetes, coques, etc, iam destruindo a camada de ozono e deixando passar raios solares perigosos para a saúde, por causa do CFC, que afinal não queria dizer “Cabelo Firme e Colado”, mas antes “Causa do Falecimento do Cocuruto”. 

Instala-se a crise. Governos inteiros a pesar se é mais importante manter os penteados impecáveis, ou proteger a camada de ozono. Reuniões internacionais, preocupações gerais, as senhoras a ver a vida a andar para trás…

E é então que se instala a loucura. 

As senhoras, até aí muito bem penteadas, lançam-se às prateleiras dos supermercados, levando todas as latas que conseguem transportar nos seus sacos, na esperança de conseguir juntar laca suficiente até ao fim da vida, antes que seja extinta. E mesmo amigas de longa data chegam a cortar relações por uma lata de laca… 

Assinado o acordo internacional para acabar com os CFCs, tudo parece ficar condenado a viver com os cabelos sem graça… até que se descobre um outro gás com o mesmo efeito que não dá cabo do ozono, nem do cocuruto!

Esta é a história de como se conseguiu salvar a camada de ozono, sem comprometer o penteado.

É graças a este final feliz que, ainda hoje, conseguimos ver avós bem penteadas.

E bem vão precisar dessa mise cheia de laca para sobreviver a toda a sorte de fenómenos extremos, como furacões de nível 4, ou qualquer outro efeito das alterações climáticas.

 

Comentários

Mensagens populares