Episódio 43 - «Aqui estou» (Ana Pessoa) + «Dar a mão não é como dar o pé» (Inês Fonseca Santos)


 
Aqui estou

de Ana Pessoa


Aponta em frente. Diz: “Aqui”.

Aponta para cima. Para baixo. Para o lado. “Aqui.” 
Aponta com o dedo indicador.

Mão esquerda, mão direita, tanto faz.

Aqui.

Aqui, o pombo, o cão, o céu.

Aqui, campainha, árvore, quadro.

Aqui, teto, porta, pai.

Aqui, noite, colher, bolacha.

Aqui, colo. Aqui, mais. Aqui, água.

Aqui, silêncio, chuva, nada.

Aqui.

Primeira palavra. Primeiro tudo.

Mundo inteiro.

Aqui estou. 
 

 
Dar o pé não é como dar a mão
Inês Fonseca Santos

Dar o pé não é como dar a mão. Por esta altura – e é mesmo uma questão de altura – já o devia saber. Porque, se há uma pedra no meio do caminho, é o pé que lhe dou. Ou, se num jogo o adversário se lança para a baliza, é o pé que o trava. O pé sofre as consequências rasteiras das pisadelas; anda junto ao chão, ao pó dos carreiros. Se o torço, recusa-me corridas e saltos. É assim que se vinga: obriga-me a parar, a suspender a brincadeira. A perder as pedras, as bolas, os carreiros. 

Por esta altura - e é mesmo uma questão de altura - já o devias saber: quando o pé e o outro pé se aproximaram de ti, me colaram a ti, foi a mão que te dei. Porque, se há um par no meio do caminho, é a mão que lhe dou. Ou, se te lanças no jogo, é de mão dada contigo que marco o golo, que corto a meta. Dar a mão não é como dar o pé. 
 
 

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