Episódio 31 - «O elefante sem tromba» (Rita Taborda Duarte)


O ELEFANTE SEM TROMBA 
excerto de O Leão sem Juba, Elefante sem tromba e a Casa sem Telhado 
 
de Rita Taborda Duarte 
publicado pela Caminho em 2020 
 
O elefante sem tromba vivia lá longe, noutro canto do mundo: morava na Índia. De todos os elefantes, seria o mais elegante, com umas patas fininhas e ágeis, e sem aquela pança redonda e palonça com que se bamboleiam normalmente os elefantes. Mas, além de não ter pança e um bandulho de meia lua, e além de esta não assentar sobre quatro troncos grossos e ásperos a fazer de patas, este elefante, entre os olhos e a boca, também não tinha tromba. Isto era uma imensa tristeza, para todos os elefantes, para toda a família elefantóide, menos para ele, Elefante sem Tromba, que não lhe sentia a falta. Afinal, uma tromba é coisa que não dá assim tanto jeito, sequer a um elefante; no fundo faz a vez de uma quinta perna, mais mole, fininha e deformada a anteceder os passos; e o mais certo é tropeçar-se nela, como se se tivesse um braço enorme a sair do nariz. E havia, sim, uma razão estética para que o Elefante sem Tromba se sentisse mesmo bem sem aquele apêndice desmesurado a saltar-lhe de entre os olhos. É um facto: Ninguém gosta de ser um trombudo. Por exemplo, se uma pessoa se apresenta com uma cara de inferno, com aquele aspeto de que «todos lhe devem e ninguém lhe paga», o que é que se diz?
 
 - Exacto!!! Que essa pessoa está de trombas! 
 
Quando queremos dizer que uma pessoa é mesmo muito chatinha, sempre mal-encarada, incapaz de oferecer um sorriso aos outros, como é que caracterizamos essa pessoa? 
 
- Isso mesmo!!! Dizemos que é um trombudo. 
 
Quando alguém se sente mesmo zangado com outrem, capaz de lhe dar uma valente sova, diz o quê?: 
 
-Nem mais! Que lhe vai às trombas! 
 
Quando alguém é feio, feioso, coitado, mesmo feio capaz de assustar o próprio susto, que já se assusta aliás com pouquíssima coisa, qual é o comentário mais ouvido: 
 
- Bolas! É que tem cá uma tromba… 
 
Portanto, é mais que sabido. Toda a gente sabe e o nosso elefante também o sabia: ter tromba pode até dar jeito aos elefantes para algumas situações: 
 
    a)   beber água de longe e sem molhar os pés; 
 
    b)   transportar troncos de um lado para o outro; 
 
    c)   trazer bananas do cocuruto mais alto das árvores; 
 
    d)   urrar bem alto, tal uma trombeta, como se os outros fossem surdos; 
 
Toda a família de mastodontes e companhia o lamentava: diziam-lhe que assim, coitado...era como se nem fosse um elefante. Mas este nosso Elefante destrombado pensava que viver sem tromba não tinha mesmo importância nenhuma. Pior seria se não tivesse miolos ou que se os tivesse tão ralos e miúdos que não o deixassem pensar, ou, pior, que o fizessem pensar em coisas tão tolas como os restantes elefantes. É que, na verdade, não é a tromba que faz um elefante. 
 

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