Episódio 22 - «Ambientador» (Catarina Sobral)
Já esgotei todos os passatempos de viagem.
Brinquei à sardinha, à guerra de polegares, joguei ao Quem-quer-ser-milionário com os nomes das terras. «Agora entrámos em Oliveira de Aventais, Aventais da Serra, Oliveira de Azeméis ou Vilar de Azeméis?» É demasiado óbvio, já nem tenho imaginação...
Joguei ao Eu-vejo. «Eu vejo uma coisa verde. Não, não é essa árvore.»
Faltam quantos quilómetros para chegarmos?
Já disse a lengalenga da formiga que prendeu o pé na neve. TODA! «Oh nuvem, és tão forte que tapas o sol que derrete a neve que meu pé prende? Oh formiga, sou tão forte que até o vento me leva. Oh vento, és tão forte que levas a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que meu pé prende?»
Parámos numa estação de serviço para esticar as pernas. E os pés.
Quantos quilómetros para chegarmos?
Não saí do carro. Um ambientador em forma de árvore está pendurado no espelho retrovisor. A coisa verde. Mas ninguém adivinhou.
O ambientador baloiça com a brisa que sopra pela janela entreaberta. Lembrei-me das aulas de física e da definição de movimento. Que o movimento de um corpo só existe em relação ao de outro corpo. «Só se pode medir o movimento relativo.» É preciso que outro corpo esteja parado para dizermos que o primeiro se movimenta. Talvez aqui o corpo em movimento não seja a árvore pendurada no espelho. Se o ambientador estiver parado, é o carro que está em movimento. Baloiça, num eixo vertical, juntamente com a estrada e as outras árvores e os outros carros no parque de estacionamento da estação de serviço. Como um pêndulo! As pessoas de regresso aos carros fazem um movimento linear por cima do movimento pendular. Afastam-se e aproximam-se enquanto ondulam à minha volta. Sem cair!
Quando recomeçar a viagem vou testar este jogo com outros corpos parados e outros corpos em movimento. Com o carro, com a nuvem que não tapa o sol, com as placas dos nomes das terras.
Cheira intensamente a pinheiro e espero que ainda faltem muitos quilómetros para chegarmos.
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