Episódio 18 - «Catequese» (Joana Estrela)

 

 
 
Era sábado à tarde e estávamos na catequese. Os rapazes da minha escola sentaram-se numa fila de cadeiras mais à frente e não paravam de sussurrar entre eles. De vez em quando olhavam para mim e, quando eu olhava de volta, punham-se a rir.

Não fazia ideia do que é que estava para vir dali, mas coisa boa não era.

Fiz um esforço para ignorá-los e concentrar-me na Irmã Lúcia (não era aquela Irmã Lúcia, era outra irmã Lúcia) que estava a ler sobre a Arca do Noé.

A Arca do Noé é a minha parte preferida da Bíblia. Bem, para ser sincera ainda não li a Bíblia, a minha mãe diz que é muito violento para a minha idade, mas acho que quando a ler vai ser a minha parte favorita. Noé pôs dois animais de cada espécie num grande barco (chamam-lhe uma arca). Não seria maravilhoso viver numa casa cheia de animais? Mesmo os selvagens?

Enfim. Os rapazes ficaram a cochichar a aula toda, e enquanto isso eu planeei a minha fuga. Quando o relógio da parede marcou as quatro horas e zero minutos, já eu tinha tudo arrumado, casaco posto, e
estava pronta para sair daquela sala como um foguete. Ainda espreitei para trás e vi que eles estavam a olhar para mim, mas só o Paulo é que me seguiu.

O meu pai tinha estacionado mesmo à frente da igreja, eu entrei no carro a correr e ordenei «VAMOS!». Como nos filmes, quando um detetive entra num táxi e diz: «SIGA AQUELE CARRO!»
Mas o meu pai não fez nada, nem rodou as chaves para arrancar o motor. Só olhou pela janela e disse: 
— Está ali um rapaz a chamar por ti.

— Não é nada, é outra Joana, vamos embora.

Mas o carro não se mexeu e o Paulo foi-se aproximando e já era impossível ignorá-lo. Mas que raio é que ele quer? Se isto é alguma espécie de partida, de certo que não a vai fazer à frente do meu pai! Meio constrangido, entregou-me uma prenda pela janela do carro. Estava com a cara tão vermelha como o papel de embrulho.
— Queria dar-te isto.

— Hmm, obrigada.

— Por causa do dia dos namorados

— Ok.

— É hoje.

— Já percebi, obrigada.

O Paulo estava tão sério e nervoso como quando a professora o chama ao quadro para resolver um problema de matemática. E eu só queria sair dali para fora.

Estava com esperanças que o meu pai interviesse, e dissesse alguma coisa do género: «A minha filha é demasiado nova para isto!» ou «Quais são as suas intenções, meu jovem rapaz?», mas ele estava só a olhar para nós pelo espelho retrovisor, a sorrir um sorriso parvo.

Dissemos adeus, o Paulo cambaleou para fora de cena, e eu atirei a prenda para o fundo da mochila. O meu pai foi a rir o caminho todo até casa! «Ahahah!Espera até a tua mãe saber, vai começar já a planear o casamento, ahah!»

Nesse momento decidi que não levaria a minha família na arca, como fez o Noé.

Ia só eu.

Sozinha.

Mais os animais. 
 


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