Episódio 15 - «Ponto Afinal» (Ricardo Henriques)
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Era uma vez um ponto final.
Não, não, não.
Era uma vez um ponto afinal.
Afinal de contas – e de contos, esses tais que acrescentam pontos –
queria mais princípios que finais.
Sentia-se hesitante, mas não ao ponto das reticências.
Tinha um peito gritante, mas não ao ponto da exclamação.
Imaginava-se um cavaleiro andante, mas não ao ponto do ponto e vírgula.
Não queria enumerar, nem exclamar, nem deixar no ar.
Queria libertar-se dos parágrafos fechados sobre si mesmos,
De regras demasiado gramáticas e reumáticas.
Aspirava ser mais que mago, talvez, quiçá, um Saramago.
Ai! Suspirava por páginas mais acrobáticas, quiçá dramáticas.
Até que um dia, aconteceu o impronunciável.
Apesar de algumas vírgulas comentarem depois
que sempre suspeitaram daquele ponto de olhar perdido,
com pupilas em ponto de fuga.
Uma rabanada de vento abriu o livro onde vivia e vut!
– lá voou – lá rodopiou – lá respirou –
E, quando finalmente aterrou, não lhe caiu um piano em cima,
Nem sequer um acordeão
Mas sim um calhamaço clássico, Divina Comédia de seu nome.
Tal foi a vontade do vendaval.
E foi aí que tudo mudou, afinal.
No meio daquela selva escura
O ponto viu a sua vida andar para a frente
Esmagado e esticado, mudou de pontuação
Deixou de ser final e passou a ser travessão.
Daí em diante é difícil contar
Esvoaçou de história em história
Começando frases, abrindo parênteses e iniciando debates
Sem nunca, nunca fazer remates.
Era uma vez um ponto que afinal, não.
Depois do divino vendaval, renasceu travessão.
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