Episódio 9 - «Vizinhas» (Madalena Marques)

 

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Duas catraias, vizinhas de segundo andar, conhecem-se na barriga das suas mães, grávidas do mesmo tempo, e espreitam-se pelo umbigo. 

Em pleno verão as águas rebentam no segundo esquerdo. Ao contrário, no segundo direito tudo está calmo. Menina espreita pelo umbigo da mãe mas nada vê. Já não há mais barriga com menina do outro lado! Espera 11 dias para nascer também. Juntas, agora de pulmões abertos, cantam e palram divertidas.

No direito nasceu menina canhota e no esquerdo menina destra. Uma franzina, outra rechonchuda, diferenças que se atenuaram com as borbulhas. Crescem e acompanham-se sempre. Aos 7 anos a menina do segundo esquerdo perde a barriga-mãe onde nasceu passando a viver entre a casa do Pai e a casa da avó Ana, senhora de corpo alto, cabelo branco, voz aguda e riso gozado. 

Por já não serem tão vizinhas passou a ser mais difícil verem-se, felizmente entre fins-de- semana e férias grandes conseguiam desfrutar de maravilhoso tempo juntas. A praia dos coelhos sorria-lhes como nenhuma outra, apesar do gelo das águas. Deitadas à beirinha exploravam descoberta recente, deixando que a leve movimentação das ondas lhes embalasse metade do corpo enquanto da cintura aos cabelos ficavam ancoradas na areia. Prometiam repetir a cada ano que viesse aquele navegar de alga ligeirinho. Prometeram também envelhecer numa quinta rodeadas de cavalos.
Juntas palmilharam as ruas de Tavira, as casinhas da costa, a avenida da praia e às cavalitas a rampa do rio quando queriam enfiar-se num barco de pescador. Inventaram músicas com o Terra, o Braza, o Edgar, o Mitó e o gravador de cassetes.
 Conheceram o fanta man, o jovem pica, o putchi. Passaram fins-de-semana em Palmela onde pisavam uvas, tentavam andar de bicicleta e mergulhavam o possível no tanque com o Filipe Marta, o Micas e o Márinho.
Talvez por tudo o que viveram, sempre que estão juntas lá aparece a gargalhada- espontânea. 

Hoje vivem à distância de 1230km. Continuam irmãs e talvez não venham a ter cavalos quando estiverem velhinhas, mas quem sabe um bando de colibris, um aquário de algas da serra ou meia-dúzia de galinhas pintadas. É que a existência uma da outra torna sólida e macia a vida das duas e faz parecer tudo tão certo.

Bio Madalena Marques 

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